Estudo “Deficiência e Covid-19 em Portugal”
Face à crise pandémica provocada pelo novo coronavírus (Covid-19), o ODDH procurou perceber, como, em Portugal, esta situação estaria a ser experienciada pelas pessoas com deficiência e respetivas famílias. Para o efeito foram realizados dois estudos exploratórios por questionário (online), tendo sido obtidas 1051 respostas: Estudo 1, na fase de confinamento (n=725) e Estudo 2, na fase de desconfinamento (n=326). Nos inquéritos realizados foram recolhidas informações, entre outros aspetos, sobre os impactos da pandemia: no acesso a apoios e serviços (Estudo 1 e 2); no acesso à educação e ensino (Estudo 1 e 2); e na saúde e bem-estar psicológico das pessoas com deficiência e cuidadores/as (Estudo 2).
Relativamente aos apoios e serviços, na sequência do encerramento de equipamentos de apoio social na área da deficiência, em março de 2020, 40,1% (n=286) dos/as inquiridos/as do Estudo 1 responderam que lhes foram retirados apoios ou serviços. No Estudo 2 procurou-se perceber em que medida alguns destes apoios e serviços já teriam (ou não) sido retomados. Os resultados mostram que, em muitos casos, estes apoios e serviços foram retomados apenas parcialmente ou continuam suspensos: Centros de Atividades Ocupacionais (46,2%), fisioterapia (56,7%), terapia da fala (46,8%), terapia ocupacional (62,3%), consultas médicas (52,8%) e cuidados de enfermagem (45,3%).
No que respeita à área da educação, as soluções disponibilizadas aos estudantes com deficiência - durante o período de confinamento e desconfinamento - foram avaliadas de forma negativa, pese embora se tenham registado ligeiras melhorias entre os dois momentos. No Estudo 1, dos inquiridos que responderam ser estudantes, ou estarem a acompanhar os filhos com deficiência que frequentam o ensino pré-escolar, básico ou secundário (n=217), 77,9% (n=169) avaliaram as modalidades de ensino à distância de forma negativa. No Estudo 2, as respostas relativas aos alunos que frequentavam o ensino obrigatório (n=34) foram as seguintes: 64,7% (n=22) consideraram que estas estavam a ser nada adequadas (n=9; 26,5%) ou pouco adequadas (n=13; 38,2%), e apenas 35,3% (n=12) consideraram que estas estavam a ser adequadas (26,5%; n=9) ou bastante adequadas (8,8%; n=3). Alguns testemunhos recolhidos no Estudo 2 ilustram algumas dificuldades que persistem, mesmo no ensino presencial, embora, em outros casos, também fossem notadas melhorias:
“Deixou de frequentar as poucas aulas a que ia ficando confinado na unidade de autismo, porque não consegue usar máscara.”
(E2_ID191_Cuidador/a de rapaz de 14 anos com deficiência, Lisboa)
“Já começou a trabalhar com o professor de ensino especial, mas os terapeutas ainda não estão colocados.”
(E2_ID220_Cuidador/a de menino de 12 anos com deficiência, Setúbal)
As e os inquiridos também responderam a algumas questões relacionadas com os impactos da pandemia no seu bem-estar psicológico: 51% (n=164) referiram que, desde o início da pandemia se têm sentido mais tristes ou deprimidos/as do que habitualmente, 58,4% (n=188) responderam sentir-se mais ansiosos/as do que habitualmente, e por fim, 39,3% (n=127) reportaram maiores dificuldades em dormir. A maioria dos e das participantes neste estudo (67,7%; n=214) afirmaram ainda que desde o início da pandemia sentiam uma preocupação acrescida relativamente a um possível agravamento da sua situação económica, contra 32,3% (n=102) que responderam que estavam nada ou pouco preocupados.
No Estudo 2 participaram também cuidadores/as e familiares de pessoas com deficiência (n=88), dos/as quais 83% (n=73) eram mulheres e 17% (n=15) homens. Questionadas/os sobre como se sentiram, durante o período de confinamento (após o encerramento de apoios e serviços) e mais recentemente, no período de desconfinamento (após a reabertura de apoios e serviços), os resultados evidenciam diferenças significativas entre este dois momentos: 73,4% (n=55) responderam que se sentiam muito ou bastante cansadas/os na fase de confinamento contra 47,7% (n=31) após a reabertura dos apoios e serviços (-25,7 pontos percentuais) e 64% (n=48) responderam que se sentiam muito ou bastante exaustos/as, contra 41,9% (n=26) após a reabertura de apoios (-22,1 p.p.). Relativamente à interferência dos cuidados prestados no exercício da atividade profissional das e dos cuidadores, 68,2% (n=58) responderam que a prestação de cuidados se refletiu de forma negativa no exercício da sua atividade profissional e apenas 31,7% (n=27) não expressaram dificuldades.
Alguns testemunhos recolhidos ilustram estas dificuldades:
“Tive de suspender a empresa para poder cuidar do meu filho e como sou sócio-gerente não me deram nenhum apoio. Já lá vão 8 meses sem nenhum apoio, vergonhoso, para quem pagou durante 20 anos tudo à segurança social e agora nenhum apoio, é vergonhoso.”
(E2_ID67_Cuidador/a de menino de 7 anos com deficiência, Faro)
“Eu mantive a minha atividade profissional a partir de casa, no entanto tive que trabalhar quase todas as noites para compensar o tempo em que durante o dia estava a prestar cuidados ao meu filho.”
(E2_ID236_Cuidador/a de menino de 10 anos com deficiência, Lisboa)
Relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal - Indicadores de Direitos Humanos 2020”
Elaborado pelo ODDH e contando este ano com a sua quarta edição, o Relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2020” recorre a fontes secundárias de informação, nacionais e internacionais, para disponibilizar indicadores que permitam aferir o progresso alcançado na realização dos direitos humanos das pessoas com deficiência em Portugal. O referido relatório mostra que, em 2019, 4,2% (n=12027) das pessoas inscritas como desempregadas tinham deficiência, verificando-se uma descida de 1% (-108) face a 2018 (n=12135). Contudo, a redução do total de desempregados inscritos foi muito mais expressiva na população em geral, tendo abrandado 9%. Porém, só no primeiro semestre de 2020 verificou-se um crescimento de 10% face aos dados globais de 2019 (13270 inscritos), atingindo um valor que se situa ligeiramente acima do pico de desemprego registado neste grupo em 2016.
Estes dados revelam de forma bastante clara os impactos negativos da pandemia provocada pela Covid-19 no emprego das pessoas com deficiência, evidenciando a vulnerabilidade estrutural deste grupo no acesso ao emprego.
Relativamente à educação destaca-se um indicador relacionado com o abandono escolar. Os dados disponíveis do Inquérito Europeu às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC, 2018) mostram que (ver Figura 6), em 2018, a taxa de abandono escolar precoce nos alunos e alunas com deficiência com idades entre os 18 e os 24 anos em Portugal era de 21,9%, muito superior à média dos alunos sem deficiência em Portugal (+9,5 p.p.; 12,4%).
Se fizermos a mesma análise considerando os jovens com idades entre os 18 e os 29 anos verifica-se que, em 2018, a taxa de abandono escolar precoce era ainda maior, situando-se nos 32%, quase o dobro da taxa verificada nos jovens sem deficiência do mesmo grupo etário (16,4%). Quando comparamos estes dados com os registados em 2015 (Pinto & Kuznetsova, 2017) constata-se que a redução da taxa de abandono foi mais forte entre os jovens sem deficiência (onde reduziu 5,4 p.p. no grupo dos 18-24 anos e 6,8 p.p. no grupo 18-29 anos), do que entre os jovens com deficiência (onde se registaram decréscimos de apenas 2,2 p.p. no grupo 18-24 e de 3,9 p.p. no grupo 18-24 anos), contribuindo assim para um agravamento do fosso entre a população com e sem deficiência.
Por sua vez, os dados relativos às Condições de Vida e Proteção Social mostram que no indicador risco de pobreza ou exclusão social há também um desfasamento considerável entre pessoas com e sem deficiência: em 2018 em Portugal o risco de pobreza ou exclusão social nas mulheres com deficiência (29,1%) era 11,2 p.p. superior ao risco enfrentado pelas mulheres sem deficiência (17,9%), e no caso dos homens era de 9,8 p.p. (28,1% vs. 18,3%).
Este nível de desfasamento quase não se alterou desde 2016, quando o fosso no risco de pobreza entre mulheres com e sem deficiência se situava nos 10,2 p.p. e entre os homens com e sem deficiência nos 10,7 p.p. (ver Pinto & Pinto, 2018). Assim, apesar das melhorias registadas de uma forma global para ambos os grupos no que diz respeito à redução do risco de pobreza, as desigualdades mantêm-se quase inalteradas entre a população com e sem deficiência.